O Pardal
Quando eu tinha onze anos, um amigo de meu pai deu-me de presente uma carabina de brinquedo. Papai agradeceu-lhe polidamente, porém sem nenhum entusiasmo. Deixei-os e corri ao pomar.
Minha primeira vítima foi um pardal. Lembro-me bem de que, a despeito do orgulho que senti por ser tão bom atirador, tive a vaga sensação de culpa, ao ver cair o passarinho.
Minha insegurança levou-me a procurar meu pai. Encontrei-o ocupado em tirar, de uma teia de aranha, os insetos e moscas que ali se haviam aprisionado, colocando-os depois em uma caixinha de fósforos.
- Para que isso, papai? perguntei.
- Venha comigo e eu lhe mostro.
Levando-me ao jardim, mostrou-me, então, entre a espessa folhagem de um arbusto, um ninho onde se achavam quatro pássaros implumes. Abrindo a caixa com cautela, foi metendo as moscas e os insetos nos biquinhos abertos. Compreendi o motivo e ofereci-me para ajudá-lo.
- Não é coisa fácil! - disse ele.
Passei a tarde procurando insetos e remexendo a terra, a ver se encontrava vermes. De noite, papai agasalhou os passarinhos com um pouco de algodão.
Na manhã seguinte veio ter ao meu quarto, quando eu me estava vestindo. Trazia nas mãos um dos pequeninos pássaros, já morto.
- Morreu durante a noite! -, explicou ao mostrá-lo. - Vamos fazer tudo para salvar os outros.
Terminado o jantar, àquela noite, encontramos uma segunda vítima do frio. Alguns dias depois, estando eu a tomar o café da manhã, entrou meu pai, trazendo o terceiro filhote, igualmente inanimado.
- O último, porém, parece forte e resistente como poucos, observou sorrindo. Creio mesmo que, em breve, ensaiará as asas. Mas o pobre orfãozinho, acrescentou, há de passar por maus momentos, pois não tem quem lhe ensine os segredos do vôo e, embora não pareça, talvez esteja um pouco fraco. Os pássaros assim, novinhos, precisam receber alimento a todos os instantes e nós não chegamos a alimentá-los em tempo, como necessitavam.
Fomos encontrá-lo, um dia, o pequeno sobrevivente, a baloiçar-se amedrontado sobre um galho. O fato de que aquele passarinho precisava voar tornara-se, aos meus olhos, de suprema importância. Foi quando o vimos, de repente, soerguer-se no espaço. Bateu asas quanto pôde, mas em vão; um segundo depois caía sobre a relva. Agitou-se num tremor e... morreu.
- Pobrezinho, não teve sorte! -, observou papai.
Sentindo-me tomado de remorsos, exclamei por fim, sem mais poder conter o que mais ia na alma:
- Papai, a culpa é minha! Fui eu que matei a mãe deles!...
- Eu sei, meu filho, vi você fazer aquilo. Não se aflija, são raros os meninos que não fazem o mesmo. Quis apenas mostrar-lhe que, ferindo alguém, ferimos, ao mesmo tempo, outras pessoas e até mesmo as que mais amamos ou as que mais nos amam. E é, não raro, maior o mal que assim fazemos a nós mesmos.
Texto extraído do livro: "E, para o resto da Vida..." de Wallace Leal Rodrigues.